Biografia de Castro Alves
Antônio Frederico de Castro Alves, poeta, nasceu na fazenda Cabaceiras, na então
freguesia de Muritiba, comarca de Cachoeira, a poucas léguas de Curralinho, BA, em
14 de março de 1847, e faleceu em Salvador, BA, em 6 de julho de 1871. É o
patrono da Cadeira nº 7 da Academia Brasileira de Letras, por escolha do
fundador Valentim Magalhães.
Era filho do médico Antônio José Alves, mais tarde
professor na Faculdade de Medicina de Salvador, e de Clélia Brasília da Silva
Castro, falecida quando o poeta tinha 12 anos. Por volta de 1853, ao mudar-se
com a família para a capital, estudou no colégio de Abílio César Borges, futuro
barão de Macaúbas, onde foi colega de Rui Barbosa, demonstrando vocação
apaixonada e precoce para a poesia. Mudou-se em 1862 para o Recife, onde
concluiu os preparatórios e, depois de duas vezes reprovado, matriculou-se na
Faculdade de Direito em 1864. Cursou o 1º ano em 65, na mesma turma que Tobias
Barreto. Logo integrado na vida literária acadêmica e admirado graças aos seus
versos, cuidou mais deles e dos amores que dos estudos. Em 66, perdeu o pai e,
pouco depois, iniciou a apaixonada ligação amorosa com Eugênia Câmara, que
desempenhou importante papel em sua lírica e em sua vida.
Nessa época Castro Alves entrou numa fase de grande
inspiração e tomou consciência do seu papel de poeta social. Escreveu o drama
Gonzaga e, em 68, vai para o Sul em companhia da amada, matriculando-se no 3º
ano da Faculdade de Direito de São Paulo, na mesma turma de Rui Barbosa. No fim
do ano o drama é representado com êxito enorme, mas o seu espírito se abate
pela ruptura com Eugênia Câmara. Durante uma caçada, a descarga acidental de
uma espingarda lhe feriu o pé esquerdo, que, sob ameaça de gangrena, foi afinal
amputado no Rio, em meados de 69. De volta à Bahia, passou grande parte do ano
de 70 em fazendas de parentes, à busca de melhoras para a saúde comprometida
pela tuberculose. Em novembro, saiu seu primeiro livro, Espumas flutuantes,
único que chegou a publicar em vida, recebido muito favoravelmente pelos
leitores.
Daí por diante, apesar do declínio físico, produziu
alguns dos seus mais belos versos, animado por um derradeiro amor, este
platônico, pela cantora Agnese Murri. Faleceu em 1871, aos 24 anos, sem ter
podido acabar a maior empresa que se propusera, o poema Os escravos, uma série
de poesias em torno do tema da escravidão. Ainda em 70, numa das fazendas em
que repousava, havia completado A cascata de Paulo Afonso, que saiu em 76 com o
título A cachoeira de Paulo, e que é parte do empreendimento, como se vê pelo
esclarecimento do poeta: "Continuação do poema Os escravos, sob título de
Manuscritos de Stênio."
Duas vertentes se distinguem na poesia de Castro
Alves: a feição lírico-amorosa, mesclada da sensualidade de um autêntico filho
dos trópicos, e a feição social e humanitária, em que alcança momentos de
fulgurante eloqüência épica. Como poeta lírico, caracteriza-se pelo vigor da
paixão, a intensidade com que exprime o amor, como desejo, frêmito,
encantamento da alma e do corpo, superando completamente o negaceio de Casimiro de Abreu, a esquivança de Álvares de Azevedo, o desespero acuado de Junqueira Freire. A grande e fecundante paixão
por Eugênia Câmara percorreu-o como corrente elétrica, reorganizando-lhe a
personalidade, inspirando alguns dos seus mais belos poemas de esperança,
euforia, desespero, saudade. Outros amores e encantamentos constituem o ponto
de partida igualmente concreto de outros poemas.
Enquanto poeta social, extremamente sensível às
inspirações revolucionárias e liberais do século XIX, Castro Alves viveu com intensidade
os grandes episódios históricos do seu tempo e foi, no Brasil, o anunciador da
Abolição e da República, devotando-se apaixonadamente à causa abolicionista, o
que lhe valeu a antonomásia de "Cantor dos escravos". A sua poesia se
aproxima da retórica, incorporando a ênfase oratória à sua magia. No seu tempo,
mais do que hoje, o orador exprimia o gosto ambiente, cujas necessidades
estéticas e espirituais se encontram na eloqüência dos poetas. Em Castro Alves,
a embriaguez verbal encontra o apogeu, dando à sua poesia poder excepcional de
comunicabilidade.
Dele ressalta a figura do bardo que fulmina a
escravidão e a injustiça, de cabeleira ao vento. A dialética da sua poesia
implica menos a visão do escravo como realidade presente do que como episódio
de um drama mais amplo e abstrato: o do próprio destino humano, presa dos
desajustamentos da história. Encarna as tendências messiânicas do Romantismo e
a utopia libertária do século. O negro, escravizado, misturado à vida cotidiana
em posição de inferioridade, não se podia elevar a objeto estético. Surgiu
primeiro à consciência literária como problema social, e o abolicionismo era
visto apenas como sentimento humanitário pela maioria dos escritores que até
então trataram desse tema. Só Castro Alves estenderia sobre o negro o manto
redentor da poesia, tratando-o como herói, como ser integralmente humano.
Escreveu:
"Espumas Flutuantes", escrita em 1870;
"Gonzaga ou a Revolução em Minas", (1875); "Cachoeira de Paulo Afonso", (1876); "Vozes, D'África" e "Navio Negreiro", (1880); "Os
Escravos", (1883), etc. Em 1960 publicou-se sua Obra Completa, enriquecida
de peças que não figuram nas Obras Completas de Castro Alves, editadas em 1921.
Castro
Alves foi um discípulo de Victor Hugo a quem chamava "mestre do mundo,
sol da eternidade". Poeta social, lírico, patriótico, foi um dos primeiros
abolicionistas e, ao poetar sobre a escravidão, inflamava-se eloqüentemente,
chegando a elevar-se pelo arrojo das metáforas, pelo atrevimento das
apóstrofes, pelas idéias do infinito, amplidão, pelo vôo da imaginação, o que
motivou o título dado por Capistrano de Abreu de "condoreiro", que
comparou sua poesia ao vôo de um condor.
Castro Alves amou o oprimido com sentimento de
justiça sendo este o traço básico da sua personalidade. A desarmonia da alma
romântica não é produzida, segundo ele, por conflitos do espírito mas por
conflitos entre o homem e a sociedade, o oprimido e opressor. É uma nova forma
da existência da dualidade romântica do bem e do mal. A sua tese social é
trazida muito abstratamente e será o primeiro exemplo de literatura
"engage" que se vê no Brasil.
O ideal para Castro Alves é o gênio (homem) símbolo
das lutas pela justiça e pela libertação. Vive seu espírito em constantes
conflitos à procura de soluções. Esse ideal faz com que o poeta busque na
retórica a sua forma de expressão que muitas vezes se apresenta vazia e sem
nexo, apoiada apenas em combinações sonoras. Esse abuso é uma influência da
época que muito prestigiava a oratória. Um defeito a ser apontado no seu estilo
é o abuso e a superposição de imagens e de aposições.
Porém, alcança um belo sublime, bem distante das
banalidades românticas.
Enquanto
outros poetas como Gonçalves Dias, tomam o índio como herói, tomou
Castro Alves o negro, nada estético, tido como de casta inferior na sociedade,
sem nenhum valor mítico. O índio foi um herói bem mais fácil de ser forjado,
pois existia apenas como mito, não participava da sociedade e tinha valor
heróico, por causa da sua tradição guerreira. Assim, o negro, em Castro Alves,
é quase sempre um mulato com feições e sensibilidade de um branco. O amor será
tratado como um encantamento da alma e do corpo e não mais como uma esquivança
ou desespero ansioso dos primeiros romances.
O tema da
escravidão
Publicado
em 1883, doze anos após a morte do autor, Os Escravos reúne as composições
anti-escravagistas de Castro Alves, entre elas, os famosos poemas
abolicionistas “O Navio Negreiro” e “Vozes d’África”.
Castro
Alves não foi o primeiro poeta romântico a tratar do tema da escravidão. Antes
dele, Gonçalves Dias, Fagundes Varela e outros
abordaram a questão. No entanto, nenhum poeta foi mais veemente e engajado à
causa social e humanitária do abolicionismo como ele. Castro Alves procurou
aprofundar as implicações humanas da escravatura adequando a sua eloqüência
condoreira à luta abolicionista. Retrata o escravo de modo romanticamente
trágico para despertar a sociedade, habituada a três séculos de escravidão,
para o que há de mais desumano neste regime. O maior exemplo deste retrato está
em A Cachoeira de Paulo Afonso, longo poema narrativo, escrito em 1870, que
conta a história de amor de dois escravos, Lucas e Maria, pintada com fortes
cores dramáticas.
Condoreirismo
Castro Alves foi o principal e mais popular representante do estilo romântico que predominou na poesia brasileira entre 1850 e 1870, denominado condoreiro por Capistrano de Abreu (1853-1927). É caracterizado por uma poesia retórica, repleta de hipérboles e antíteses, em que se destacam os temas sociais e políticos, principalmente a defesa da abolição da escravatura e a apologia da república.
Castro Alves foi o principal e mais popular representante do estilo romântico que predominou na poesia brasileira entre 1850 e 1870, denominado condoreiro por Capistrano de Abreu (1853-1927). É caracterizado por uma poesia retórica, repleta de hipérboles e antíteses, em que se destacam os temas sociais e políticos, principalmente a defesa da abolição da escravatura e a apologia da república.
Os poetas
condoreiros foram influenciados diretamente pela poesia social de Vitor Hugo -
o Condoreirismo é o hugoanismo brasileiro. De teor declamativo e pendor social,
um de seus símbolos mais freqüentes é a imagem do condor dos Andes, pássaro que
representa a liberdade da América, o que sugeriu a Capistrano de Abreu a
denominação dada ao estilo.
Outros
poetas, como Tobias Barreto (1839-1889), José Bonifácio, o Moço (1827-1886) e
Pedro de
Calasãs
(1837-1874) cultivaram e defenderam o condoreirismo enquanto poesia de tese
(científica), pública, política, rimando artigos de fundo de jornal,
metrificando manifestos do abolicionismo e proclamações republicanas.
As marcas
do estilo
Poucos
poetas utilizaram, na Língua Portuguesa, tantas reticências, travessões e
pontos de exclamação quanto Castro Alves. A cada página do livro, os exemplos
se sucedem:
Pesa-me a
vida!… está deserto o Forum!
E o tédio!… o tédio!… que infernal idéia!
E o tédio!… o tédio!… que infernal idéia!
Através
destes recursos gráficos, o poeta procura reproduzir a oralidade do discurso
exaltado da praça pública ou das declamações nos palcos. As reticências apontam
as pausas dramáticas que reforçam a ênfase discursiva marcada pelos pontos de
exclamação. Já os travessões têm dupla função. Por vezes aparecem, como as
reticências, como marcas de pausa da elocução:
- Ave –
te espera da lufada o açoite.
- Estrela – guia-te uma luz falaz.
- Aurora minha – só te aguarda a noite,
- Pobre inocente – já maldito estás.
- Estrela – guia-te uma luz falaz.
- Aurora minha – só te aguarda a noite,
- Pobre inocente – já maldito estás.
Em muitos
outros momentos, aparecem como marca do discurso direto, apresentando uma fala
que se dirige a um interlocutor específico:
- “Olhai,
Signora…além dessas cortinas,
O que vedes?…” -- “Eu vejo a imensidade! …”
- “E eu vejo… a Grécia… e sobre a plaga errante
Uma virgem chorando…” – “É vossa amante?…”
- “Tu disseste-o, Condessa!” É a Liberdade!!!…
O que vedes?…” -- “Eu vejo a imensidade! …”
- “E eu vejo… a Grécia… e sobre a plaga errante
Uma virgem chorando…” – “É vossa amante?…”
- “Tu disseste-o, Condessa!” É a Liberdade!!!…
O estilo retórico
condoreiro se traduz na linguagem escrita através dos sinais de pontuação, como
as reticências, os travessões e os pontos de exclamação!...
Ênfase
Social
Castro Alves, o maior representante da última geração romântica, diferente dos seus predecessores, como Junqueira Freire e Álvares de Azevedo, projeta o drama interior do escritor (o eu), sua intensa contradição psicológica, sobre o mundo. Enquanto que, para a geração anterior, o conflito faz o escritor voltar-se sobre si mesmo, pois a desarmonia é resultado das lutas internas (ultra-romantismo), para Castro Alves, são as lutas externas (do homem contra a sociedade, do oprimido contra o opressor) que provocam essa desarmonia. É outro modo de representar o conflito entre o bem e o mal, tão prezado pelos românticos.
Castro Alves, o maior representante da última geração romântica, diferente dos seus predecessores, como Junqueira Freire e Álvares de Azevedo, projeta o drama interior do escritor (o eu), sua intensa contradição psicológica, sobre o mundo. Enquanto que, para a geração anterior, o conflito faz o escritor voltar-se sobre si mesmo, pois a desarmonia é resultado das lutas internas (ultra-romantismo), para Castro Alves, são as lutas externas (do homem contra a sociedade, do oprimido contra o opressor) que provocam essa desarmonia. É outro modo de representar o conflito entre o bem e o mal, tão prezado pelos românticos.
Portanto,
a poética deve se identificar profundamente com o ritmo da vida social e
expressar o processo de busca da humanidade por redenção, justiça e liberdade.
O poeta "condoreiro" tem um papel messiânico e afinado com o seu
momento histórico. Esse comprometimento faz a poesia se aproximar do discurso,
incorporando a ênfase oratória e a eloqüência.
Nos
poemas de Os Escravos, a poesia é suplantada pelo discurso político
grandiloqüente e até verborrágico. Para atingir o alvo e persuadir o leitor e,
muito mais, o ouvinte, o poeta abusa de antíteses e hipérboles e apresenta uma
sucessão vertiginosa de metáforas que procuram traduzir a mesma idéia. A poesia
é feita para ser declamada e o exagero das imagens é intencional, deliberado,
para reforçar a idéia do poema. Os versos devem ressoar e traduzir o constante
movimento de forças antagônicas, como se nota logo no primeiro poema,
“O Século”:
O século
é grande… No espaço
Há um drama de treva e luz.
Como o Cristo – a liberdade
Sangra no poste da cruz.
Um corvo escuro, anegrado,
Obumbra o manto azulado,
Das asas d’águia dos céus…
Arquejam peitos e frontes…
Nos lábios dos horizontes
Há um riso de luz… É Deus.
Há um drama de treva e luz.
Como o Cristo – a liberdade
Sangra no poste da cruz.
Um corvo escuro, anegrado,
Obumbra o manto azulado,
Das asas d’águia dos céus…
Arquejam peitos e frontes…
Nos lábios dos horizontes
Há um riso de luz… É Deus.
Ou no
célebre
Senhor
Deus dos desgraçados!
Dizei-me vós, Senhor Deus!
Se é loucura… se é verdade
Tanto horror perante os céus…
Ó mar! por que não apagas
Co’a esponja de tuas vagas
De teu manto este borrão?…
Astros! noite! tempestades!
Rolai das imensidades!
Varrei os mares, tufão!…
Dizei-me vós, Senhor Deus!
Se é loucura… se é verdade
Tanto horror perante os céus…
Ó mar! por que não apagas
Co’a esponja de tuas vagas
De teu manto este borrão?…
Astros! noite! tempestades!
Rolai das imensidades!
Varrei os mares, tufão!…
A poesia
social de Castro Alves é caracterizada: pelo discurso retórico, declamativo;
uso exagerado de hipérboles e antíteses; acúmulo sucessivo de metáforas;
movimento, com o objetivo de demonstrar concretamente o ritmo da luta da
humanidade em busca da liberdade; e impressionante capacidade de comunicação. A
poesia, portanto, perde terreno para a propaganda política.
Pragmático,
o poeta usa a poesia para levar o leitor à ação, para transformar e não só para
deleitar. Trata-se de uma arte engajada no marketing das idéias sociais e
políticas:
Quebre-se
o cetro do Papa,
Faça-se dele - uma cruz!
A púrpura sirva ao povo
P’ra cobrir os ombros nus.
Faça-se dele - uma cruz!
A púrpura sirva ao povo
P’ra cobrir os ombros nus.
Convite à
senzala
Para
convencer o ouvinte/leitor, Castro Alves convida-o a descer à senzala e
conhecer o terrível drama humano que lá se encena:
Leitor,
se não tens desprezo
De vir descer às senzalas,
Trocar tapetes e salas
Por um alcouce cruel,
Vem comigo, mas… cuidado…
Que o teu vestido bordado
Não fique no chão manchado,
No chão do imundo bordel.
De vir descer às senzalas,
Trocar tapetes e salas
Por um alcouce cruel,
Vem comigo, mas… cuidado…
Que o teu vestido bordado
Não fique no chão manchado,
No chão do imundo bordel.
(…)
Vinde ver
como rasgam-se as entranhas
De uma raça de novos Prometeus,
Ai, vamos ver guilhotinadas almas
Da senzala nos vivos mausoléus.
De uma raça de novos Prometeus,
Ai, vamos ver guilhotinadas almas
Da senzala nos vivos mausoléus.
E, assim,
ao longo de Os Escravos e A Cachoeira de Paulo Afonso, Castro Alves vai apresentando
ao leitor a vida do cativo, negro ou mestiço, sujeito à crueldade dos senhores,
que arrancam os filhos dos braços das mães para os vender, estupram as
mulheres, torturam e matam impunemente os “Homens simples, fortes, bravos…/
Hoje míseros escravos/ Sem ar, sem luz, sem razão…” Para isso, Castro Alves
não hesita em explorar ao máximo as expressões que apelam aos sentimentos do
leitor, abusando dos vocativos, das interpelações e das evocações, como em
“Vozes d’África”:
Deus! Ó Deus! onde estás que não respondes?
Em que mundo, em qu’estrela tu t’escondes
Embuçado nos céus?
Há dois mil anos te mandei meu grito,
Que embalde desde então corre o infinito…
Onde estás, Senhor Deus?
Deus! Ó Deus! onde estás que não respondes?
Em que mundo, em qu’estrela tu t’escondes
Embuçado nos céus?
Há dois mil anos te mandei meu grito,
Que embalde desde então corre o infinito…
Onde estás, Senhor Deus?
ou
em
Mãe,
minha voz já me assusta…
Alguém na floresta adusta
Repete os soluços meus.
Sacode a terra… desperta!…
Ou dá-me a mesma coberta,
Minha mãe… meu céu… meu Deus…
Alguém na floresta adusta
Repete os soluços meus.
Sacode a terra… desperta!…
Ou dá-me a mesma coberta,
Minha mãe… meu céu… meu Deus…
ou,
ainda, em
“O Bandolim da Desgraça”, de A Cachoeira de Paulo
Afonso:
Assim,
Desgraça, quando tu, maldita!
As cordas d’alma delirante vibras…
Como os teus dedos espedaçam rijos
Uma por uma do infeliz as fibras!
As cordas d’alma delirante vibras…
Como os teus dedos espedaçam rijos
Uma por uma do infeliz as fibras!
O Navio
Negreiro
Um dos
mais conhecidos poemas da literatura brasileira, O Navio Negreiro – Tragédia no
Mar foi concluído pelo poeta em São Paulo, em 1868. Quase vinte anos depois,
portanto, da promulgação da Lei Eusébio de Queirós, que proibiu o tráfico de
escravos, de 4 de setembro de 1850. A proibição, no entanto, não vingou de
todo, o que levou Castro Alves a se empenhar na denúncia da miséria a que eram
submetidos os africanos na cruel travessia oceânica. É preciso lembrar que, em
média, menos da metade dos escravos embarcados nos navios negreiros completavam
a viagem com vida.
Composto
em seis partes, o poema alterna métricas variadas para obter o efeito rítmico
mais adequado a cada situação retratada. Assim, inicia-se com versos
decassílabos que representam, de forma claramente condoreira, a imensidão do
mar e seu reflexo na vastidão dos céus:
“'Stamos
em pleno mar... Doudo no espaço
Brinca o luar - dourada borboleta;
E as vagas após ele correm... cansam
Como turba de infantes inquieta.
Brinca o luar - dourada borboleta;
E as vagas após ele correm... cansam
Como turba de infantes inquieta.
'Stamos
em pleno mar... Do firmamento
Os astros saltam como espumas de ouro...
O mar em troca acende as ardentias,
- Constelações do líquido tesouro...
Os astros saltam como espumas de ouro...
O mar em troca acende as ardentias,
- Constelações do líquido tesouro...
'Stamos
em pleno mar... Dois infinitos
Ali se estreitam num abraço insano,
Azuis, dourados, plácidos, sublimes...
Qual dos dous é o céu? qual o oceano?...
Ali se estreitam num abraço insano,
Azuis, dourados, plácidos, sublimes...
Qual dos dous é o céu? qual o oceano?...
'Stamos
em pleno mar. . . Abrindo as velas
Ao quente arfar das virações marinhas,
Veleiro brigue corre à flor dos mares,
Como roçam na vaga as andorinhas...
Ao quente arfar das virações marinhas,
Veleiro brigue corre à flor dos mares,
Como roçam na vaga as andorinhas...
Note o
leitor que o poema se inicia com a supressão da vogal E inicial da palavra
Estamos, grafada ‘Stamos para que o poeta forme um verso decassílabo. É um
recurso tipicamente romântico: a expressão suplanta o cuidado formal.
Na
segunda parte do poema, composta em versos redondilhos maiores (heptassílabos),
ao seguir o navio misterioso, pedindo emprestadas as asas do albatroz, o eu
lírico escuta as canções vindas do mar. Ao se aproximar, na terceira parte, em
versos alexandrinos, o eu lírico se horroriza com a “cena infame e vil”,
descrita na quarta parte do poema, através de versos heterossílabos, alternando
decassílabos e hexassílabos:
Era um
sonho dantesco... o tombadilho
Que das luzernas avermelha o brilho.
Em sangue a se banhar.
Tinir de ferros... estalar de açoite...
Legiões de homens negros como a noite,
Horrendos a dançar...
Que das luzernas avermelha o brilho.
Em sangue a se banhar.
Tinir de ferros... estalar de açoite...
Legiões de homens negros como a noite,
Horrendos a dançar...
Negras
mulheres, suspendendo às tetas
Magras crianças, cujas bocas pretas
Rega o sangue das mães:
Outras moças, mas nuas e espantadas,
No turbilhão de espectros arrastadas,
Em ânsia e mágoa vãs!
Magras crianças, cujas bocas pretas
Rega o sangue das mães:
Outras moças, mas nuas e espantadas,
No turbilhão de espectros arrastadas,
Em ânsia e mágoa vãs!
E ri-se a
orquestra irônica, estridente...
E da ronda fantástica a serpente
Faz doudas espirais ...
Se o velho arqueja, se no chão resvala,
Ouvem-se gritos... o chicote estala.
E voam mais e mais...
E da ronda fantástica a serpente
Faz doudas espirais ...
Se o velho arqueja, se no chão resvala,
Ouvem-se gritos... o chicote estala.
E voam mais e mais...
Presa nos
elos de uma só cadeia,
A multidão faminta cambaleia,
E chora e dança ali!
Um de raiva delira, outro enlouquece,
Outro, que martírios embrutece,
Cantando, geme e ri!
A multidão faminta cambaleia,
E chora e dança ali!
Um de raiva delira, outro enlouquece,
Outro, que martírios embrutece,
Cantando, geme e ri!
Na quinta
parte, novamente em heptassílabos, o poeta faz um retrocesso temporal,
descrevendo a vida livre dos africanos em sua terra. Cria, assim, um
contraponto dramático com a situação dos escravos no navio. Na última estrofe
Castro Alves retoma os decassílabos do início para protestar com veemência contra
a crueldade do tráfico de escravos:
Existe um
povo que a bandeira empresta
P'ra cobrir tanta infâmia e cobardia!...
E deixa-a transformar-se nessa festa
Em manto impuro de bacante fria!...
Meu Deus! meu Deus! mas que bandeira é esta,
Que impudente na gávea tripudia?
P'ra cobrir tanta infâmia e cobardia!...
E deixa-a transformar-se nessa festa
Em manto impuro de bacante fria!...
Meu Deus! meu Deus! mas que bandeira é esta,
Que impudente na gávea tripudia?
Silêncio.
Musa... chora, e chora tanto
Que o pavilhão se lave no teu pranto!...
Auriverde pendão de minha terra,
Que a brisa do Brasil beija e balança,
Estandarte que a luz do sol encerra
E as promessas divinas da esperança...
Que o pavilhão se lave no teu pranto!...
Auriverde pendão de minha terra,
Que a brisa do Brasil beija e balança,
Estandarte que a luz do sol encerra
E as promessas divinas da esperança...
Tu que,
da liberdade após a guerra,
Foste hasteado dos heróis na lança
Antes te houvessem roto na batalha,
Que servires a um povo de mortalha!...
Foste hasteado dos heróis na lança
Antes te houvessem roto na batalha,
Que servires a um povo de mortalha!...
Fatalidade
atroz que a mente esmaga!
Extingue nesta hora o brigue imundo
O trilho que Colombo abriu nas vagas,
Como um íris no pélago profundo!
Extingue nesta hora o brigue imundo
O trilho que Colombo abriu nas vagas,
Como um íris no pélago profundo!
Mas é
infâmia demais! ... Da etérea plaga
Levantai-vos, heróis do Novo Mundo!
Andrada! arranca esse pendão dos ares!
Colombo! fecha a porta dos teus mares!
Levantai-vos, heróis do Novo Mundo!
Andrada! arranca esse pendão dos ares!
Colombo! fecha a porta dos teus mares!
Uma fonte
Alemã
O crítico
Augusto Meyer apontou a influência do poema Das Sklavenschiff (O Navio Negreiro
- 1854), do poeta romântico alemão Heinrich Heine (1797-1856), sobre a obra
homônima de Castro Alves. A leitura dos verso de Heine, traduzidos pelo mesmo
Augusto Meyer, não deixa dúvidas quanto à influência sobre o escritor baiano.
Tanto o segmento inicial do poema brasileiro, quanto a dança macabra descrita
na quarta parte, são inegáveis recriações do original alemão:
Música!
Música! A negrada
Suba logo para o convés!
Por gosto ou ao som da chibata
Batucará no bate-pés”.
Suba logo para o convés!
Por gosto ou ao som da chibata
Batucará no bate-pés”.
O céu
estrelado é mais nítido
Lá na translucidez da altura.
Há um espreitar de olhos curiosos
Em cada estrela que fulgura
Lá na translucidez da altura.
Há um espreitar de olhos curiosos
Em cada estrela que fulgura
Elas
vieram ver de mais perto
No mar alto, de quando em quando,
O fosforear das ardentias.
Quebra a onda, em marulho brando.
No mar alto, de quando em quando,
O fosforear das ardentias.
Quebra a onda, em marulho brando.
Atrita a
rabeca o piloto
Sopra na flauta o cozinheiro,
Zabumba o grumete no bombo
E o cirurgião é o corneteiro.
Sopra na flauta o cozinheiro,
Zabumba o grumete no bombo
E o cirurgião é o corneteiro.
A
negrada, machos e fêmeas,
Aos gritos, aos pulos, aos trancos,
Gira e regira: a cada passo,
Os grilhões ritmam os arrancos
Aos gritos, aos pulos, aos trancos,
Gira e regira: a cada passo,
Os grilhões ritmam os arrancos
E saltam,
volteiam com fúria incontida,
Mais de uma linda cativa
Lúbrica, enlaça o par desnudo –
Há gemidos, na roda viva.
Mais de uma linda cativa
Lúbrica, enlaça o par desnudo –
Há gemidos, na roda viva.
A
Cachoeira de Paulo Afonso
Em 1876,
sete anos antes da primeira publicação de Os Escravos, foi impressa uma edição
isolada do poema A Cachoeira de Paulo Afonso. Trazia o seguinte aposto: “Poema
original brasileiro.
Fragmento
dos – Escravos – sob o título Manuscrito de Estênio” A partir de então, muitos
editores têm publicado o poema em separado, como se não fizesse parte do livro
Os Escravos. Nessa edição, no entanto, seguimos a lição de Afrânio Peixoto,
organizador da edição de 1938 das Obras Completas do poeta baiano, e publicamos
o poema como continuação do livro. O próprio Afrânio Peixoto explica a opção:
“A
Cachoeira de Paulo Afonso, fim do poema d’ Os Escravos, é aludida em carta do
Poeta, de setembro de 67, em que diz só lhes “falta a descrição da Cachoeira de
Paulo Afonso”. De passagem pelo Rio, no começo do ano seguinte, lê a José de Alencar
A Cascata de Paulo Afonso: foi este, em certo momento o título do poema. Parece
que a última demão lhe deu Castro Alves quando tornou do sul, no sertão da
Bahia, por isso que lhe pôs como data definitiva: fazenda “Santa Isabel, 12 de
julho de 1870 no Rosário do Orobó”. Em 76 teria edição à parte, e, daí por
diante, sempre assim, até a grande edição do Cinqüentenário e esta de agora em
que é situada, definitivamente, como quisera o Poeta, por termo a Os Escravos.
Este
poema bastaria para a glória de um grande poeta: nenhum dos nossos, do O
Uruguai ao Caçador de Esmeraldas, se lhe podem comparar, sem desmerecer. Rui
Barbosa, que lhe fez a primeira e admirável crítica, se aponta os primores de
descritiva das paisagens e dos tipos rústicos, mostra também como “o poema do
desespero do escravo deve ser esse. Ali a cólera troveja imprecações de uma
grandeza bíblica; a ironia chispa como o aço de um estilete; cada frase
traspassa os algozes como a ponta ervada de uma seta. Aquela fronte
elevadamente humana fez-se de fera, para sacudir o vilipêndio imerecido; e aos
lábios, contraídos por um amargor incomparável, crer-se-ia ver assomarem-lhe a
cada palavra laivos de sangue do coração, mortalmente retalhado”. Com efeito, a
tragédia íntima da escravidão se desenrola dolorosa e inconsolável no cenário
estupendo da Cachoeira de Paulo Afonso, imenso palco, digno de tamanha dor
humana. Esse complemento d’ Os Escravos vale por outro poema.”
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